domingo, 27 de junho de 2010

A HERANÇA DE JOSÉ SARAMAGO


“Hoje o mundo fica mais burro e mais cego”, essas são as palavras de Fernando Meirelles ao Jornal Hoje quando questionado sobre o que significa a perda de José Saramago. O escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português José de Sousa Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, deixando não apenas saudades, mas muita cultura, reflexão, exemplo de luta e um imenso conjunto de obras literárias. Uma perda intelectual, artística, humana e cívica irreparável!
Saramago, nasceu em uma família muito humilde, o que o privou de continuar os estudos, se formou apenas no ensino técnico, mas isso não impediu que continuasse a estudar, todas as noites visitava a biblioteca publica, onde passava horas debruçado sobre livros.
Saramago, conhecido pelo seu ateísmo e iberismo, era militante do Partido Comunista Português desde 1969. Guiado por ideais onde defendia o ser humano em sua essência fazia inumeras críticas contra a alienação e o conformismo estimulados pela "euforia" da mítica "globalização" capitalista, uma ilusão que esconde uma padronização do comportamento mental da humanidade de acordo com os valores ideológicos do imperialismo.
Foi alvo de varias perseguições, principalmente devido a luta internacional contra o terrorismo e o lançamento do livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e “Caim”. Em entrevista disse ainda que a Igreja não se importa com o destino das almas e que sempre procurou apenas controlar os seus corpos, o que resultou ainda mais perseguição.
Saramago escreveu inúmeros livros, poemas, crônicas. O que resultou inúmeras premiações, onde destacam-se o Prémio Camões (1995) - distinção máxima oferecida aos escritores de língua portuguesa; o Nobel de Literatura (1998) - o primeiro concedido a um escritor de língua portuguesa.
Vinha com freqüência ao Brasil, onde possui inúmeros amigos e seguidores, grande parceiro e amigo de Chico Buarque.
Saramago é conhecido por utilizar frases usando a pontuação de uma maneira não convencional (aparentemente incorrecta aos olhos da maioria). Os diálogos são inseridos nos próprios parágrafos, de forma que não existem travessões nos seus livros, a ponto do leitor chegar a confundir-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento. José Saramago não faz a distinção de personagens pelos seus nomes, mas sim pelas suas características e particularidades.
Uma grande obra escrita em 1995 foi o livro “Ensaio sobre a cegueira”, que mais tarde virou filme, dirigido por Fernando Meirelles.

A história do livro fala sobre uma cegueira branca que contamina toda uma cidade onde as pessoas passaram a seguir os seus instintos animais, ficando evidente o que é realmente o ser humano, sem o status, dinheiro, poder, e como o homem reage diante das necessidades, da incapacidade, do desprezo. Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, sendo esta a única não é privada da visão.

Segue aqui alguns trechos da obra:
“Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”
“O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.”
“Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou”.

Por Universo Paralelo Psique.

domingo, 6 de junho de 2010

RETROVISOR



Por Fernando Anitelli

Pelo retrovisor enxergamos tudo ao contrário
Letras, lados, lestes

O relógio de pulso pula de uma mão pra outra
E na verdade nada muda
Nada muda nada

A criança que me pediu dez centavos é um homem de idade
No meu retrovisor

A menina debruçando favores toda suja
É mãe de filhos que não conhece
Vendeu-os por açúcar, prendas de quermesse

A placa do carro da frente se inverte quando passo por ele
E nesse tráfego acelero o que posso
Acho que não ultrapasso e quando o faço nem noto
O farol fecha

Outras flores e carros surgem em meu retrovisor
Retrovisor é passado
É de vez em quando do meu lado, nunca é na frente
É o segundo mais tarde... próximo... seguinte
É o que passou e muitas vezes ninguém viu

Retrovisor nos mostra o que ficou, o que partiu
O que agora só ficou no pensamento

Retrovisor é mesmice em dia de trânsito lento
Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas
Mostra as ruas que escolhi, calçadas e avenidas

Deixa explícito que se vou pra frente
Coisas ficam para trás
A gente só nunca sabe ... que coisas são essas

*Fernando Anitelli é ator, compositor e músico. Integrante do grupo Teatro Mágico.