domingo, 24 de abril de 2011

O TEMPO DAS COISAS


Ana Jácomo (1966) é carioca, formada em Jornalismo. O estilo predominante em seus textos é a prosa poética. Na década de 90, participou com contos e crônicas das antologias. Em 2001, lançou um livro independente intitulado “Parto de Mim”, impresso na Fábrica de Livros da SENAI. Apaixonada por música, desde sempre, no finalzinho de 2006 começou também a percorrer o caminho da composição musical. Gosta de dizer que escrever é o seu trabalho mais lúdico. Seu jeito preferido de prece. Sua maneira predileta de levar o coração para pegar sol.

Um pouquinho dessa poesia libertadora e por que não terapêutica:

O tempo, de vento em vento, desmanchou o penteado arrumadinho de várias certezas que eu tinha, e algumas vezes descabelou completamente a minha alma.
Tudo o que eu vivi me trouxe até aqui e sou grata a tudo, invariavelmente. Curvo meu coração em reverência a todos os mestres, espalhados pelos meus caminhos todos, vestidos de tantos jeitos, algumas vezes disfarçados de dor.
Algumas sementes simplesmente não vingam e isso não significa que a vida, por algum motivo, está se vingando de nós.
Poderíamos, mais vezes, tentar respeitar os dias e as noites das coisas, os sóis e as luas de cada uma, os amanheceres, os entardeceres, as madrugadas, a sabedoria reparadora e tecelã dos intervalos, as estações todas com seus jeitos todos de dizer. Percebermos, mais vezes, a partir da nossa própria experiência humana, que tudo o que vive, queira ou não, está submetido à inteligência natural e engenhosa das fases. Dos ciclos. Da permanente impermanência. Da mudança.
Mas, não. A crisálida ainda está se acostumando com a ideia de ser borboleta e já queremos que voe. A flor ainda é botão e, em vez de apreciá-la como botão, ficamos apressados para vê-la desabrochada. O fruto ainda precisa amadurecer, mas o arrancamos, verde, do pé, por mera ansiedade. Ainda é a vez do tempo estar vestido de noite, mas queremos que se troque rapidinho para vestir-se de manhã.
Nossa impaciência, nossa pressa àvida pelo resultado das coisas do jeito que queremos, no tempo que queremos, geralmente altera o sábio fluxo do tempo da vida e o desdobramento costuma não ser lá muito agradável. Não é raro, nós o atribuímos à má sorte, ao carma, ao mau-olhado. Não é raro, culpamos Deus, os outros, os astros, os antepassados. Não é raro, é claro, nós ainda nos achamos cobertos de razão.
Sabor é o presente. Saber é quando a gente desembrulha.
Os fios grisalhos da cabeleira também menina da minha alma dizem um viço que acende a vontade dos encantamentos de verdade. De verdade, entenda, é quando o encantamento realmente faz a gente sorrir.
Como deve acontecer com outros tantos aprendizes da coragem, às vezes, cansadíssima das lições e do método pedagógico, eu recordo que a covardia, pelo menos na aparência, é bem mais fácil, bem menos trabalhosa, e, claro, bem mais egoísta, eu já estive lá com muito mais frequência. Mas aí, justo neste ponto, costuma acontecer algo bem bonito: também recordo de cada flor que veio à tona só porque tive coragem de cuidar da semente. Só porque não me acovardei, mesmo que tantas vezes com todo medo do mundo.

(Foto de Ushi Arakaki/ Registros do Japão)

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